sexta-feira, 20 de maio de 2011

Galaxye - Capítulo I - Parte I

Inaugurando a seção Escritor Frustrado, toda sexta-feira colocarei um capítulo da minha tentativa frustrada de escrever uma novela tarantinesca.

GALAXYE

CAPÍTULO I

Parte I

Entram no carro, quando a chave completa a ignição o motor ronrona baixinho, esperando que seja ordenado. Os quatro se põe em posição, janelas semicerradas, a fumaça dos diversos cigarros se misturando num miasma profano. Cada um deles tem um motivo diferente para a decepção, e cada um deles a saboreia como o fino vinho que ela realmente é.

O Galaxye responde silenciosamente, obediente aos comandos da motorista, domado, incapaz de reagir ao amor com que ela o conduz. No rádio, uma menina canta sobre amor sem sexo, sobre paixão e nojo, sobre carinho e perdição. Conversam pouco, as palavras lutando por se manterem não proferidas, mãos nervosas cruzadas, procurando uma segurança impossível.

São quatro pessoas, três homens e uma mulher. São jovens o suficiente para não terem medo, mas velhos o suficiente para serem paranóicos. Estrada passa por eles indiferente, igual. Uma luz ocasional num casebre distante, um ocasional automóvel em direção contrária. Um deles retira uma maleta e a abre, dentro, stardust, e armas: uma Desert Eagle .50 prateada, e três Glock .19 negras. Inscrito ao lado da arma prateada, em letras pequenas e corridas: Shall I die of love, shall I die alone.

O homem que pegou a maleta, loiro, magro, mãos grandes e octopodais abre um papelote de stardust, e a aspira. O homem ao lado deste, ambos no banco de passageiros, um pouco mais baixo, óculos escuros no rosto, jaqueta de couro, tatuagem no braço: hello spaceboy. Olha para a rua, ao longe, nota um carro parado.

A motorista diminui a velocidade, o homem da jaqueta pega a arma prateada. Os outros dois, um homem um pouco gordo, do lado da motorista pega uma das Glock, e passa uma para a mulher, e magro pega uma outra. Descem do carro, todos em silêncio, e se aproximam. É um carro como o deles, luzes ligadas, as quatro portas abertas, mas a placa é diferente: nela se lê THX1158.

Rocco aproxima-se da parte da frente do carro, ainda acelerado pela dose de stardust aspirada. Tenta visualizar alguma coisa fora da estrada mas sem sucesso. Coloca a mão em cima do capô do carro.

- O motor está quente - avisa para os outros.

- Vamos sair daqui, é uma armadilha...são eles... - começa a falar alucinadamente Ângela

- Cala a boca - rosna Grino.

PAFT.

Grino afasta-se de Ângela deixando-a de joelhos no chão. O sangue escorre de seu nariz enquanto uma lágrima desce pelo seu rosto e alcança o canto da boca onde se nota a sombra de um sorriso de satisfação. Grino pega sua Glock da cintura começa a costear a estrada na esperança de encontrar algo que pudesse acalentar o seu desejo de depredação.

D.B. anda em direção da porta do carona. Tira os óculos escuros e coloca-os em cima do painel. Faz uma vistoria nos bancos, no chão do automóvel e no painel. Aproxima-se do porta-luvas, coloca o ouvido perto, nenhum som, resolve abri-lo com o máximo de cuidado. Ao ver a hesitação de D.B., Ângela aproxima-se do carro pela porta do motorista e abre a tampa do porta-luvas com um só golpe.

- Deixa de ser covarde, abre de uma vez essa merda.

Dois dardos disparam do porta-luvas atravessando a jaqueta de couro de D.B. e penetrando no seu braço esquerdo. Com o susto ele deixa cair seus óculos no chão do carro sem perceber.

- Porra, olha o que você fez sua cadela - gritou D.B. enquanto tirava a jaqueta e massageava o braço tentando estancar o sangue que corria.

- Eu disse que era uma armadilha - fala Ângela soltando uma gargalhada.

Grino volta decepcionado por não ter gasto nenhuma bala. Olha para o braço de D.B. e pergunta o que houve.

- Esta vadia acionou uma armadilha do carro que furou o meu braço - esbravejou D.B..

- Pare de reclamar. O que é mais uma cicatriz? - indaga Grino

- Não é no seu braço, filho da...

D.B. para de falar ao olhar a pequena cicatriz que aparece perto do pescoço de Grino, mas que se alastra por debaixo do terno pelo resto de seu corpo como um batalhão de vermes em cima de um cadáver.

- Não está óbvio que o carro está preparado para receber pessoas indesejáveis...como nós? - Rocco cospe as palavras.

- Vamos embora, já disse é uma armadilha - grita Ângela.

- Não vamos embora sem antes ver o que tem no porta-malas - fala Grino preparando-se para dar outro tapa em Ângela.

Rocco tentar segurar a mão de Grino, mas não consegue conter sua força, apenas ameniza a dor recebida no rosto dela. Ângela se esvai em sorrisos e parece estar chegando ao orgasmo.

-...se tivesse sido mais forte - divaga Ângela.

Ângela pega a chave da ignição com todo o cuidado, tentando não disparar nenhuma armadilha e entrega a Rocco, que vai até o porta-malas, destranca e hesita um pouco antes de abrir.

- Abre esta merda de uma vez - fala Grino.

- Deve ter outra armadilha.

Com a agilidade de um maestro Grino saca sua Glock e dispara seis tiros em cima do porta- malas do carro.

- Se tinha uma pessoa, já morreu, se tinha uma armadilha, desarmou-se.

- Seu dinamismo me espanta Grino.

Esperam alguns segundos, na esperança de ouvirem algum gemido ou apenas um “click” de destravamento para terem uma segurança ilusória. Afastando-se um pouco, Rocco abre o porta-malas, ainda cautelosamente. Vazio, a não ser pelos buracos no fundo feitos pelas balas da Glock de Grino.

- Vamos embora de uma vez, não tem nada que nos interesse aqui - insiste Ângela..

- Foda-se. Não vou sair daqui machucado e de mãos vazias. É óbvio que deve ter alguma coisa escondida no carro e quem a escondeu não seria tão estúpido de colocar no porta-malas ou porta-luvas, seriam os primeiros lugares a serem vasculhados, como nós fizemos. Vamos depenar este carro. Rocco vai lá no carro e pega a picareta, a mangueira e o galão. Aproveita e traz um pano qualquer para eu fazer um torniquete. Enquanto isso Ângela abre o motor do carro e veja se tem algo que nos interesse.

Contrariada Ângela abre o capô do carro, mas nada acontece. Verifica os componentes do motor, nada interessante. D.B. senta-se na estrada segurando o braço, tentando estancar o ferimento. O sangue escorre pelo seu braço e cai no asfalto, trazendo-lhe algumas lembranças. Lembra-se dos dias em que tinha uma vida normal, ou pelo menos uma sombra dela. Não poderia durar para sempre, sabia disso. Parece que adivinhava que um dia iria se encontrar sangrando em uma estrada escura na companhia de um maníaco depressivo viciado, uma puta e um psicopata esquizofrênico. Acabara por tornar-se um deles, sentindo-se doente e sujo, mais morto do que vivo. Não conseguia sentir mais calor humano, ele mesmo não irradiava mais calor. Era apenas uma “noz vazia” como costumava definir-se. Quando foi a última vez que dormira com uma mulher viva?

- 6 anos - responde para si mesmo D.B.

Grino vê que D.B. está em uma de suas crises nostálgicas e resolve fazer algo de útil. Pega seu canivete automático e rasga os bancos à procura de algo interessante. Rocco chega e entrega um pano sujo de óleo para D.B.. Ele rasga o pano e faz dois torniquetes cobrindo as duas feridas. Grino já terminara de depredar os bancos e estava abrindo o forro do carro quando Rocco lhe entregou a picareta. Ângela voltou para o carro deles e sentou-se no capô para apreciar melhor o show de vandalismo proporcionado por seus colegas.

- Isto vai dar para alguns quilômetros - pensou Rocco ao terminar de tirar toda a gasolina do tanque.

Grino estava em cima do carro golpeando o capô com a picareta e dando um show à parte, exasperando toda a raiva guardada dentro de si por uma vida inteira. Um golpe no vidro frontal o despedaçou em mil pedaços. Grino parecia ter roubado a alma de alguém ao fazer isso. Depois de demolir a frente do carro foi para a parte traseira e golpeou o porta-malas e o vidro traseiro. D.B. sentou no banco do motorista e apertou a buzina, porém não fez barulho algum. Pensou que Grino já poderia a ter danificado, mas resolveu desmontar o volante. Foi para a sua surpresa que atrás da buzina encontrou um saco com um pequeno anel prateado com um pequeno rubi. Na parte interna do anel estava escrito “Lady”.

- Grino, dê uma olhada aqui.

- O que foi?

- Isto estava escondido dentro do volante.

- O que é?

- Não sei, mas para estar escondido deve ser algo importante. Dê para Ângela, pode ser que você consiga comer ela mais algumas vezes com isso.

- Não preciso de presentes para comer alguém.

Grino e D.B. voltaram para o carro deles. Mostraram a Ângela e Rocco o que haviam achado. Rocco analisou o anel, mas não descobriu nada interessante sobre ele, só falou que poderia valer algum dinheiro, para quem soubesse o que é. Ângela decidiu usá-lo até que se resolvesse o que fazer com ele.

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