sexta-feira, 27 de maio de 2011

Galaxye - Capítulo I - Parte II

Hoje é sexta-feira e não me cante aquela música sertaneja insuportável. Em vez disse, delicie-se na parte seguinte do Galaxye.

GALAXYE

CAPÍTULO I

Parte II

Todos entram no carro e seguem viagem. A estrada parecia cada vez mais vazia. Nenhum carro no sentido contrário. A faixa amarela some por debaixo dos faróis do Galaxye. Grino acende seu último cigarro. A fumaça vai preenchendo pouco a pouco todo o interior do carro espaçoso. D.B. está limpando sua Desert Eagle, quando se dá conta que deixara seus óculos escuros no outro carro.

- Foda-se! - fala D.B. despedindo-se dos óculos.

- Quando quiseres - responde Ângela.

- Não falei contigo.

Grino solta uma pequena risada pelo canto da boca lembrando das boas fodas com Ângela. Deixando a arma dentro da pasta preta D.B. aperta mais um pouco o curativo feito no braço e veste sua jaqueta de couro.

Rocco abre outro papelote de stardust, mas desiste de aspirar. Apenas deita a cabeça para trás e deixa que os pensamentos passem por sua cabeça e o leve para onde quiserem. Em milésimos de segundos está em uma sala muito grande. Paredes brancas, os únicos móveis são a cadeira e a mesa onde Rocco encontra-se. Ele vê uma porta aparecer no fundo da sala, muito longe dele. Alguém aparece na porta, acena para ele e o chama. Ele levanta-se e vai em sua direção. Tenta visualizar melhor a pessoa que está lá. Cada vez que ele reconhece quem é, muda a pessoa, assim sucessivamente, sem que ele nunca saiba ao certo quem está lá. Ele vai em direção à porta, mas não consegue aproximar-se. A cada passo que dá, o chão da sala aumenta de comprimento enquanto as paredes diminuem de tamanho. Ele começa a correr e o chão aumenta mais rápido enquanto as paredes diminuem mais depressa. A porta continua longe, ainda tem alguém lá, mas o chão inexplicavelmente sumiu. Ele está flutuando, não, está caindo. Ele olha para cima, a pessoa está lá em cima, diminuindo, mas estendendo a mão para ele. Ele tenta alcançá-la, ele está voltando, está chegando mais perto, o rosto continua a mudar. Quando está prestes a alcançá-la a pessoa recolhe a mão, vira-se e vai embora. Ele começa a cair novamente, mais rápido ainda, no escuro, nada se vê. De repente vê água debaixo dele, vai cair na água. Mas à medida que se aproxima, a água parece endurecer, congelar, está prestes a se chocar no gelo. Mas o gelo é fino. Ele fica surpreso ao ver uma rachadura no gelo exatamente onde ele vai cair. Atravessa a fina camada de gelo sem sentir o impacto, mas a água gelada lhe bate no rosto como uma bola de basquete cheia de água. Seu corpo vai esfriando aos poucos, ele sente que vai morrer em poucos segundos, quando surge um raio de sol. Ele esquece a água, o gelo, a sala e olha o sol, tudo para ele é o sol. Sente-se aquecido, esquece os problemas. Mas a luz do sol não é eterna. Vem a noite e a falta de calor. A água tornou-se fria como nunca, congelando todas as extremidades de seu corpo e fazendo com que elas caiam uma a uma. Ele pode ver seu rosto necrosado no reflexo da água. Ele sente a morte de aproximando-se, sua alma saindo aos poucos de seu corpo. Quando o último resquício de alma está deixando o seu corpo o sol volta a brilhar, fazendo com que se recomponha novamente para que logo a noite venha tirar mais um pedaço de sua alma. Mas uma turbulência interrompe tudo e Rocco volta à realidade com D.B. sacudindo seu braço e chamando-o.

- Rocco, está dormindo de olhos abertos. É sua vez de dirigir. Está de tanque cheio? Vai ser uma longa noite. Seu turno vai até às 6 horas.

Rocco olha para o relógio que marcava 11h 38 min. Grino acordou quando o carro parou no acostamento. Perguntou quem era o motorista desta vez. Ao ver Rocco assumindo a direção voltou a dormir depois de pedir que o acordasse quando passasse por um posto de gasolina. Ângela sentou-se no banco traseiro ao lado de D.B..

- Posso deitar minha cabeça no seu colo – perguntou Ângela a D.B. com um pequeno sorriso maquiavélico no rosto.

- Não encoste em mim – respondeu D.B.virando o corpo para a janela e tentando pegar no sono – você ainda está viva.

- Você é um doente.

D.B. preferiu não discutir o mérito de quem seria mais doente ali naquele grupo, tentou pegar no sono. Seu braço ainda doía, mas nada que lhe restringisse algum movimento. Adormeceu imaginando como seria sua vida se a sua namorada ainda estivesse viva. Ele sabia que ela acabaria morta de qualquer jeito.

Todos dormiam, menos Rocco. O velocímetro marcava 140 quilômetros por hora, tinha pressa de chegar, mas não sabia onde, nenhum deles sabia.

Depois de um sono pesado, Grino acorda quando chegam num posto. O dia começa cinzento. Ainda com o sonho na cabeça, "Acho que encontrei amor de verdade", pensa. "Já tive um, já tive mais que isso". Tinha conhecido na internet, conversando sobre bobagem. Vida rebentada, um monte de letras numa tela branca, não podes ver a cara da outra pessoa lá. Só a alma. "Como se eu tivesse uma", pensa. Não sabia mais nada sobre ele, só que era perfeito, tinha lido todas as coisas certas, medos parecidos, mas vidas diferentes. Tanta coisa tinha acontecido, tanta merda tinha rolado por debaixo da ponte, nada resolvido, e um corpo que não obedece. Tinha visto de tudo, tinha feito de tudo, não sabia quantas pessoas tinha matado. Sente-se como se estivesse em alguma história ruim, daquelas vendidas em papel jornal. Não sabia onde tinha descoberto os gostos que comandavam sua vida. "Nunca vou poder ter uma porra de uma família, nunca vou poder ter a porcaria da casa de cerca branca, sair de noite num cinema. Nunca me preocupar com os outros enquanto o beijava no parque, nunca ler o jornal depois de ter feito amor". Lembra de todas as pessoas que amou de verdade, e como ele sempre acabava por machucá-las, algumas de forma menos metafórica que as outras. Se lembrou de Lívia, e seu olho roxo, se lembrou do rosto de Marcos, e suas lágrimas de cristal, lembrou até dessa que tinha por agora. Amor real, imediato, mas sempre emperrado. De que adianta? De que adianta? O dia começava cinzento, e se olha no espelho. "Tenho que fazer a barba" e se levanta.

Todos pegam suas respectivas armas colocam-nas na cintura. Grino e Ângela saem do carro. Semblantes pesados, dores diferentes. Rocco parecia não ter dormido, mas se bem que parecia que ele nunca tinha dormido. D.B. segurava o braço onde tinha sido machucado, Rocco segurava o braço onde não tinha mais veias. Ângela tinha uma cara cansada, Grino com um leve sorriso no rosto. Ângela tremeu, sabia o que aquilo significava. Não tinha escapatória para ela, fadada a ter que implorar por ser amada. Ela não era fria, ela era uma mulher simples e ainda é. Quer casa, comida, marido, mas não sabe como pedir, não sabe o que fazer.

* * *

Faz pouco tempo que ela começou a caminhar. Tem coisa de nove meses. Não sei se isso é muito ou pouco tempo. Não sei de nada, eu não nasci para ser mãe. Na realidade, eu não nasci para ser nada. Mas é uma guria bonitinha até, não parece ser muito burra. Ela tem cabelos pretos como eu, mas acho que vai ser melhor que eu.

Estão batendo na porta, deve ser a minha encomenda. Sessenta e quatro contos na minha mão, eu pego o pacote. Lá dentro, uma dose até decente de o que quer que seja. A menina chora de novo, acho que eu tenho que dar um nome para ela. Não gosto dessa história de ter de cuidar de alguém que não pedi para estar aqui. Ela cheira mal, afinal de contas, se caga nas calças, eu não quero ter uma cagona por filha.

Faz ano e meio que eu e o Grino nos conhecemos. Amo ele demais, não sei porque ele faz isso comigo. Eu dei para ele a menina que ele queria. Mesmo. Embora eu não goste dela – também, porque eu tenho que dividir ele com alguém, se ele é só meu? – eu dei o que ele queria, uma filha. Não me lembro direito porque começamos a andar juntos, um amigo dele, eu acho. Muito ácido. Não sei como a menina não nasceu torta, mas o Grino não me deixou viajar enquanto eu estava prenha. Ele nunca me tratou bem, mas é assim que eu gosto dele: sincero. Pessoas que te mentem, as outras, sempre são gentis. Elas são gentis porque elas dizem que não querem te machucar. Tu sempre se machuca, até porque elas fazem questão de mentir. Bem que eu gostaria de fazer com que elas morressem, vou pedir para o Grino matar elas.

Eu sei que ele vai voltar, ele me ama, do jeito dele, mas me ama. Faz sete meses que ele se foi, disse que tinha um negócio urgente para cuidar. Não disse mais nada, apenas bateu a porta e desapareceu. Não ligou, não mandou carta, não disse se ainda estava vivo, mas sei que está, posso sentir isso.

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